Reconstrução do LCP
A lesão do ligamento cruzado posterior é um desafio aos cirurgiões de joelho, principalmente por esta lesão ter um menor entendimento e ser menos estudada que as lesões do ligamento cruzado anterior(LCA). A lesões do LCP geralmente tem associação com traumas de alta energia e Shultz et al demonstrou em seu trabalho epidemiológico de 494 pacientes, 45,3% de associação com acidentes automobilísticos e 39,9% de associação com lesões esportivas. O LCP é o principal restritor da translação posterior da tíbia, possuindo em sua anatomia duas bandas , a anterolateral (AL) tensa em flexão e a posteromedial (PM) mais tensão próxima da extensão. A história natural da lesão isolada do LCP demonstra capacidade de cicatrização maior que a do LCA, porém nos casos em que os pacientes evoluem com instabilidade, lesões degenerativas são demonstradas a longo prazo na articulação patelofemoral na tentativa de compensar a translação posterior da tíbia e também no compartimento tibiofemoral medial , pois a translação posterior da tíbia faz com que o menisco medial perca sua função de absorção de carga no côndilo medial. Assim alterações degenerativas são demonstradas a longo prazo nesses dois compartimentos na lesão do LCP associada instabilidade residual.
O mecanismo de lesão do LCP pode ser uma queda com joelho fletido e flexão plantar do pé, lesão por hiperextensão ou trauma direto no painel do carro durante um acidente automobilístico. Após a lesão do LCP, as lesões devem ser graduadas de acordo com o grau de instabilidade apresentadas no exame físico , e para esta graduação o exame da gaveta posterior com o joelho fletido a 90 graus de flexão é o exame mais importante. Esse exame da gaveta posterior pode ser reproduzido durante uma radiografia em perfil do joelho e também é extremamente importante no auxílio da graduação desse tipo de lesão. O joelho com subluxação posterior de 0 a 5mm ou em que as espinhas tibiais permanecem anterior aos côndilos femorais deve ser graduada como GRAU I, quando a subluxação posterior se encontra entre 5 e 10 mm ou a espinha tibial se encontra no mesmo nível dos côndilos femorais é classificada como GRAU II , que pode ser dividido em end point (resistência) duro GRAU IIA ou endpoint mole GRAU IIB. Quando a gaveta posterior com stress demonstra as espinhas tibiais posteriores aos côndilos femorais , essa lesão á classificada como lesão GRAU III. As lesões do grau III merecem especial atenção pois geralmente são acompanhadas de lesões associadas de outros ligamentos(Medial, Lateral ou LCA). Outras manobras de exame físico auxiliam na avaliação como teste ativo do quadríceps, Teste de Godfrey e o Lachman reverso.
Na suspeita de lesão do LCP , além do exame físico completo e minucioso, exames de imagem devem ser solicitados. A radiografia em AP e Perfil do joelho é importante , pois muitos casos de lesão do LCP se dão por uma avulsão óssea na tíbia e um fragmento ósseo pode ser visualizado nas radiografias. As radiografias também auxiliam avaliar o grau de artrose , o alinhamento do joelho e o grau de slope da tíbia. A ressonância nuclear magnética(RNM) é um exame importante na avaliação dos lesões do LCP, pois além de demonstrarem o ligamento em si, mostram lesões associadas como lesões condrais, meniscais ou outras lesões ligamentares. Atenção especial deve-se dar aos casos crônicos de LCP em que a RNM demonstra um ligamento normal que cicatrizou alongado, porém a instabilidade clínica é evidente. Assim a RNM , em especial nos casos crônicos e dependendo da qualidade do exame e da avaliação do radiologista, pode ser normal mesmo o paciente possuindo instabilidade.
O tratamento das lesões do LCP deve ser baseado na classificação da lesão, de acordo com grau e se as lesões são isoladas ou associadas. De uma maneira geral, as lesões isoladas grau I e IIA são tratadas conservadoramente. O tratamento conservador é feito com fisioterapia para diminuição da dor e da inflamação da articulação e tem objetivo de recuperar a mobilidade do joelho, fortalecimento muscular e recuperar a habilidade de apoiar o membro lesado assim que possível. Exercícios de cadeia aberta devem ser evitados assim como a ativação dos flexores do joelho, diminuindo assim a posteriorização da tíbia. O uso de talas e órteses é discutível na literatura e deve ser usado em casos individualizados.
O tratamento cirúrgico é indicado nas lesões grau IIB, grau III , avulsões ósseas desviadas e lesão do LCP em associação com outras lesões.(canto póstero-lateral, canto póstero-medial e LCA). Dentre as técnicas para reconstrução do LCP , as mais populares são as técnicas transtibial e inlay. A técnica transtibial popularizada por Fanelli é totalmente artroscópica e tenta reproduzir a anatomia da banda AL realizando um túnel através da tíbia e passando o enxerto para o fêmur. As dificuldades dessa técnica se encontram em sua reprodutibilidade da real anatomia do LCP, pois o túnel tibial deve ser distal na tíbia, o que pode ser difícil de reproduzir em uma técnica artroscópica. Ao se realizar um “túnel alto” ou fora de sua posição anatômica, o enxerto realiza um ângulo agudo, o chamado “Killer turn”, que comprovadamente submete o enxerto reconstruído a maiores tensões, podendo levar a afrouxamento e instabilidade. Apesar destes fatores, diversos autores vem publicando excelentes resultados com essa técnica cirúrgica. A técnica inlay de reconstrução do LCP é um técnica parte artroscópica e parte aberta. Através de um acesso posteromedial em linha com a borda posterior da tíbia, é possível identificar a origem do LCP e assim reproduzir a anatomia deste ligamento de uma maneira fidedigna. O túnel femoral é realizado de maneira artroscópica e tem como objetivo reproduzir a anatomia da banda AL. Outra variação técnica da reconstrução do LCP seria a reconstrução em banda simples ou banda dupla. A reconstrução em dupla banda em teoria reproduz melhor a anatomia do LCP e o tensionamento das bandas em diferentes graus de flexão do joelho pode contribuir para maior estabilidade, seja ela rotatória ou translacional. Os estudos biomecânicos de reconstrução do LCP demonstram maior estabilidade, o que ainda não foi comprovado com estudos clínicos. Stannard et al publicou o resultado da técnica inlay com banda dupla de 50 casos com follow-up mínimo de 20 meses apresentando 88% de gaveta posterior negativa e apenas 7% de falha de reconstrução com esta técnica.
Figura 1 – Reconstrução do LCP através da técnica inlay com enxerto autólogo de tendão quadriciptal
Por Dr. Lucas Pinto D’Amico Fam – CRM/PR 24.879